Quando
chove ideias
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Como uma semente, a criatividade é inerente à
sobrevivência humana. Como uma fecundação, o desenvolvimento das nossas
ideias define o modelo de vida que queremos. Inventar e democratizar o acesso
a técnicas e tecnologias é uma forma de lutar pela convivência com o
Semiárido.
Por ser uma capacidade universal, a inventividade humana pode seguir diferentes caminhos. Os processos criativos podem fortalecer a autonomia popular e a defesa de direitos. Por outro lado, o agronegócio está sempre reinventando a concentração de renda e poder no país. Neste mundo com dicotomias, a água que cai do céu ganha conotações mais amplas que um fenômeno meteorológico. Pode servir para a sobrevivência ou opressão. No Semiárido, a mesma água da chuva que serve para o consumo humano disputa a ingestão de lucros do hidronegócio. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a irrigação utilizada pelo agronegócio consome 63% dos recursos disponíveis no Brasil. Para se “adaptar” à irregularidade na distribuição de chuvas, essas tecnologias gastam muita água e custam caro.
No caminho inverso, Abelmanto Carneiro criou o
“microaspersor alternativo”. A ideia surgiu quando ele estava com uma faca na
mão e cuidava da horta na propriedade dele, localizada em Riachão do Jacuípe
(BA).
“É um sistema de irrigação simples e barato, que acaba simulando uma chuva de inverno, uma chuva de litoral, como chamamos aqui. Ele dispõe de tudo que uma planta na fase de crescimento e floração precisa”, detalha o agricultor experimentador. O insight do “microaspersor alternativo” surgiu quando a água de uma mangueira de polietileno jorrou um jato bem na ponta da faca que estava na mão de Abelmanto. Assim, flertando com a física, a ideia nasceu quando o jato formou um leque d’água na plantação. Abelmanto trocou a faca por canetas, adicionando ainda pregos e arames para desenvolver o experimento. Hoje, o “microaspersor alternativo” é uma tecnologia sustentável e bem sucedida. Porém, a invenção ainda está superando um desafio cultural: “Muitas vezes os agricultores e as agricultoras não percebem o valor do seu próprio conhecimento”.
Diante dessa brecha na falta de valorização do
saber camponês, o agronegócio utiliza propagandas para fortalecer sua imagem,
mesmo com a carga de problemas sociais e ambientais. Neste cenário, o
agronegócio se associa aos monopólios das empresas de comunicação no país.
Sentindo falta das boas experiências camponesas nos meios de comunicação massivos, Abelmanto criou o blog do Projeto Ecológico Vida do Solo, além de utilizar o perfil dele na rede social Facebook para dialogar e apresentar vivências no campo. Em Cubati (PB), a agricultora experimentadora Sara Constâncio faz coro da fala de Abelmanto. Sara defende a troca de conhecimentos e a curiosidade como ingredientes para superação de desafios no campo. Ela e o marido, Edvan, moram no assentamento São Domingos. Há poucos dias, o casal teve de se mudar e abrir mão de importantes tecnologias construídas na propriedade anterior. Ficaram o tanque de pedra e o banco de sementes familiar, além do “tanque de gordura”, tecnologia para reuso da água, criada por Sara.
Muda o endereço. Permanece a escolha pela
inventividade camponesa. Ao contrário dos saberes oferecidos através de
“pacotes” de produtos elaborados em laboratório, Sara observa as
oportunidades locais para criar melhores condições de convivência. Ela está
estudando o ambiente para permanecer utilizando insumos naturais, além de
criar novas tecnologias adaptadas para captação, armazenamento e reutilização
da água.
A primeira invenção deve ficar pronta antes da casa. O novo lar está em processo de conclusão, mas já oferece condições de moradia. Ela prevê que nos próximos trinta dias a “fossa reciclável” esteja pronta. “Como aqui [propriedade nova] a gente ainda não tem estrutura de captação e armazenamento de água foi um jeito que a gente pensou para reutilizar toda a água possível. Vamos utilizar essa água para produção de capim e de sorgo”, explica Sara.
O batismo da tecnologia foi feito por Edvan e a
ideia surgiu ao se pensar na ração para as vacas leiteiras. A engenhosidade
garante a água separada das fezes através de um tanque de 1m³ que será
construído próximo à fossa.
A alimentação animal também inspirou a criação de uma máquina de presar forragem no município de Cajazeiras (PB). O agricultor Valdetônio Limeira juntou madeira e reutilizou um macaco hidráulico para comprimir blocos de cerca de 20 quilos de feno. “É muito melhor prensar a ração e guardar do que deixar no tempo, debaixo de lona. De primeiro, a gente roçava e deixava ao gosto da chuva, do sol”, compara Valdetônio, que ressalta ainda que a tecnologia oferece ganho de tempo nas atividades no campo. Uma das estratégias de venda de maquinarias pesadas para o campo é o argumento da redução no tempo de trabalho. Porém, além do alto custo financeiro, algumas dessas tecnologias exigem modificações sistêmicas no local. Por exemplo, uma coleta mecanizada pode exigir a plantação de espécies transgênicas para modificar o tamanho da planta e facilitar a utilização da máquina.
Com um
olho na redução do tempo e outro nas escolhas sobre o próprio ambiente, o
agricultor Josenildo da Silva, de Jucati (PE), concretizou uma ideia para
semear cenoura na propriedade dele. Ele conta que o desafio surgiu ao optar
por um plantio em maior escala.
Com canos de PVC, arame, borracha e um pote plástico, Josenildo criou uma ferramenta que distribui uniformemente as sementes. A peça lembra um arado e substituiu a forma de semear com as mãos. Atento e sempre planejando novas invenções, Josenildo avalia que a tecnologia gera um aproveitamento de 80 por cento da semeadura. |
segunda-feira, 11 de maio de 2015
O SABER POPULAR É RESISTÊNCIA E VIDA NO CAMPO (Daniel Lamir - ASACom)
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